Demolição do anexo do Espaço Augusta de Cinema e do café Fellini é autorizada por órgão de preservação de patrimônio de SP
02/12/2024
Conpresp autorizou demolição do espaço para construção de empreendimento.
Cabe recurso.
Imóvel foi vendido em 2022 e, desde então, cinéfilos se mobilizaram contra fim do cinema.
O anexo do Espaço Itaú de Cinema, na Rua Augusta 1470, que encerra as atividades em 16 de fevereiro, após 28 anos no mesmo lugar.
Divulgação
O órgão municipal de preservação do patrimônio histórico autorizou nesta segunda-feira (2) a demolição do Anexo do Espaço Augusta de Cinema e do Café Fellini, na Rua Augusta, no Centro de São Paulo, para a instalação de empreendimento imobiliário e comercial no local.
Cabe recurso.
O Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) tomou a decisão, com relatoria do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB/SP), e abstenção dos representantes da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL).
A autorização ocorreu mediante a envio de relatório das obras em quatro em quatro meses.
A decisão precisa ser publicada em Diário Oficial.
O imóvel foi vendido em 2022 e, desde então, cinéfilos e frequentadores se mobilizaram contra o fechamento e chegaram a arrecadar mais de 50 mil assinaturas em abaixo-assinado contra a demolição.
Em fevereiro de 2023, a Justiça de São Paulo aceitou parcialmente o pedido do Ministério Público em uma ação contra a demolição.
O juiz da 10ª Vara de Fazenda Pública, Otavio Tokuda, concordou em proibir a demolição e a construção de um novo empreendimento imobiliário ou comercial nos edifícios em que funcionavam o cinema e o café.
No entanto, ele autorizou a desocupação do local, desde que não haja "qualquer modificação das características arquitetônicas até o pronunciamento administrativo definitivo do Município de São Paulo quanto ao tombamento";
Para embasar a decisão, o juiz ressaltou que a ausência de decisão da prefeitura sobre o interesse histórico dos imóveis não impede que o novo proprietário, num ato de impulso, promova a demolição das edificações, mesmo que não exista um alvará que libere uma possível obra.
Ele apontou, contudo, que o pedido de manutenção do funcionamento do Café Fellini e do Anexo do Espaço Itaú de Cinema até a decisão do Conpresp não era da competência do Ministério Público, já que se trata de uma relação estritamente privada de locação.
Em março de 2023, o anexo foi reconhecido como Zonal Especial de Preservação Cultural - Área de Proteção Cultural (Zepec-APC), o que obrigou a construtora a incluir as salas de cinema como fachada ativa no projeto do empreendimento, depois aprovado pelo órgão de preservação.
Agora, a incorporadora Vila 11 prevê construir novas salas de cinema no térreo e primeiro andar, com acesso público da calçada.
Primeira tentativa de fechamento
A previsão inicial era a de que o cinema fechasse as portas para o público em março de 2023 depois de 28 anos.
Para encerrar as atividades, a curadoria decidiu exibir o filme "A última Floresta", de Luiz Bolognesi, em duas sessões gratuitas que marcarão o fim definitivo daquele espaço, que desde 1995 era o point cinematográfico mais querido da cena paulistana.
O documentário de Bolognesi conta a história de resistência do povo Yanomami na terra indígena do Norte do País e aborda os constantes conflitos com garimpeiros, grileiros de terras e fazendeiros, para proteger a área deles, demarcas por lei.
O filme coleciona uma série de premiações relevantes no Brasil e no mundo.
Entre eles, o Prêmio do Público no Festival de Berlim e Melhor Filme no Festival de Seul.
Poltronas das salas de cinema do Espaço Itaú de Cinema Anexo, na rua Augusta 1470, no Centro de São Paulo.
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Cinema
Em comunicado distribuído à imprensa, o Espaço Itaú de Cinema, até então responsável pelas salas, lamentou o fim das atividades no imóvel alugado em março de 1995 e lembrou que a chegada do cinema na Rua Augusta ajudou a revitalizar a região através da cultura.
Antes, a vida noturna do entorno era caracterizada apenas pela prostituição.
“Adhemar Oliveira inaugurou o Espaço Augusta em outubro de 1993 – na época patrocinado pelo Banco Nacional.
O cinema foi o primeiro a apostar na iniciativa de exibir cinematografias independentes do mundo todo, além de promover a formação de público através de cursos e projetos como o Escola no Cinema, Sessão Cinéfila e Clube do Professor.
Credita-se ao cinema a revitalização da rua Augusta.
O comércio do seu entorno, como lojas, bares e restaurantes, foi estimulado pelo expressivo número de frequentadores do cinema”, disse a empresa.
O Café Fellini, que fica no jardim do Anexo do Espaço Itaú de Cinema, na Rua Augusta 1470, no Centro de SP.
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“O Anexo – salas 4 e 5 - foi aberto em um sobrado bem à frente da sede, em março de 1995.
O aconchegante cinema acolheu projetos cinematográficos importantes como o Curta às Seis, que diariamente projetava curtas-metragens brasileiros em sessões gratuitas na sala 4, e cursos do Escola no Cinema destacando a história e o desenvolvimento da linguagem cinematográfica, os movimentos da cinematografia mundial e filmografias de diretores consagrados.
A Mostra Internacional de Cinema exibiu ali inúmeros filmes, realizou debates com cineastas e promoveu o ciclo de depoimentos com personalidades da cultura 'Memórias do Cinema'”, completou.
Prédios residenciais tomam lugar de opções de entretenimento na Augusta
Em maio de 2022, quando a incorporadora deu o prazo até fevereiro de 2023 para o Anexo deixar o espaço, o gestor do cinema, Adhemar Oliveira, conversou com a TV Globo.
“É uma perda que não é uma perda individual, porque você viu ao longo do tempo, você presenciou, conviveu com ‘n’ artistas e pessoas que conviviam com a arte.
O medo que bate não é um local, é que isso pode ser a expressão de outros locais se perderem.
Quando você olha o tecido social de uma cidade, todo mundo admira Paris, mas não toma os cuidados que Paris toma para permanecer com seu modo de vida, para fazer do turismo o seu modo de vida”, afirmou Adhemar Oliveira, ano passado.
O cineasta Ugo Giorgetti também falou na época sobre a importância do espaço: “Os cinemas que você pode circular como de nível, não passam de 12 salas, 13 salas.
Então, quando você perde duas salas, é uma perda muito grande”.
“Quando você pensa, você pensa no imediato, vai fechar um cinema.
Mas não é que vai fechar um cinema, fecha a memória do Goethe, fecha a memória de muitos filmes, e depois tem as memórias pessoais.
Quantas pessoas você conheceu lá, que influenciaram a sua vida, que, talvez, transformaram sua vida?”, declarou.
Poltronas das salas de cinema do Espaço Itaú de Cinema Anexo, na rua Augusta 1470, no Centro de São Paulo.
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Filmes clássicos
Durante os 28 anos de existência, o Anexo do Espaço Itaú de Cinema exibiu títulos clássicos do cinema mundial, como os filmes “Stromboli” (1950), de Roberto Rossellini, “Morangos Silvestres” (1957), de Ingmar Bergman, "Um Corpo que Cai" (1958), de Alfred Hitchcock, “Hiroshima, Meu Amor” (1959), de Alain Resnais, “Acossado” (1960), de Jean-Luc Godard, “A Doce Vida” (1960), de Federico Fellini, e “Nosferatu - O Vampiro da Noite” (1979), de Werner Herzog.
“Nas quase três décadas de existência, o Anexo teve ainda outro papel fundamental: o de dar continuidade à exibição de filmes que estrearam do outro lado da rua – no número 1475.
Em vez de deixarem o circuito, essas produções entravam na programação das salas menores, a 4 (88 lugares) e a 5 (33 lugares), permanecendo, assim, mais semanas em cartaz”, lembraram os curadores do espaço.
Saída de outros comércios
Em maio de 2022, quando a reportagem da TV Globo esteve no local e mostrou que a incorporadora que comprou o imóvel onde está atualmente o cinema também deu o prazo até fevereiro para que outros comércios instalados no imóvel saíssem do local.
Entre eles o restaurante mexicano dirigido pelo empresário Hugo Antares Delgado, que, emocionado, também lamentou o fim de uma era próspera da Rua Augusta, que cada vez mais tem sido tomada por prédios residenciais.
"A gente estava super entusiasmado de ter sobrevivido à pandemia.
De repente, chega a notícia de que a gente vai ter que sair desse ponto que a gente gosta tanto e levou quase 8 anos construindo aqui na Augusta", disse o empresário na época.
"Estamos tentando ter garra e entusiasmo pra enfrentar a situação que é mto difícil.
Na sexta, fui num show do Caetano e quando ele cantou 'Sampa', quando falou da 'força da grana que ergue e destrói coisas belas'...
me pegou bem forte", comentou.
O empresário Hugo Antares Delgado, dono do restaurante mexicano que está ao lado do Anexo do Espaço Itaú de Cinema, na Rua Augusta, e que também terá que deixar o imóvel nesse mês de fevereiro de 2023.
Reprodução/TV Globo
Associação Paulista de Cineastas
Em dezembro de 2022, a Associação Paulista de Cineastas (APACI) emitiu uma carta assinada por nomes como Beto Brant, Alain Fresnot, Marina Person, entre outros, que condenava o fechamento do espaço.
Na carta, o grupo afirma que o fim do Anexo do Espaço Itaú significava o réquiem de uma cidade “já totalmente descaracterizada pela febre imobiliária turbinada pela volúpia especulativa do capital financeiro”.
“A notícia de que o anexo do Espaço Itaú Augusta - em que estão as salas 4 e 5 e o Café Fellini - será demolido para a construção de um edifício, é mais uma nota do réquiem desta cidade, já totalmente descaracterizada pela febre imobiliária turbinada pela volúpia especulativa do capital financeiro.
Um espaço aprazível como o Café Fellini, onde muitos passaram horas lendo um bom livro enquanto esperavam a sessão começar, ou ainda reunidos com amigos debatendo o filme que havíamos assistido, vai virar entulho.
Mais um lugar do afeto, do encontro, da cultura, vai desaparecer”, afirmou o documento.
“Pelo menos é o que está ditando o poder do dinheiro.
Devemos nos conformar com isso? Claro que não.
Quem ainda ama essa cidade, os cinemas de rua, os espaços de sociabilidade, tem que se colocar ao lado daqueles exigem o tombamento deste lugar com toda a história que ele guarda e projeta”, completou a APACI.
Espaço Itaú de Cinema - Rua Augusta Anexo
Rua Augusta, 1470 - Centro
Sala 4: 88 lugares (3 cadeirantes + 1 obeso)
Sala 5: 33 lugares (2 cadeirantes + 1 obeso)
Bilheteria: todos os dias, das 13h30 às 22h