Morador de Madureira denuncia intolerância religiosa e homofobia: 'Suma do condomínio ou vamos invadir'
16/11/2024
Escultor teve a porta de seu apartamento pichada com ofensas homofóbicas e contra a sua religião.
Em 2023, a cidade do Rio de Janeiro foi a que teve mais denúncias de intolerância religiosa no Brasil, com 170 casos registrados.
Morador de Madureira denuncia intolerância religiosa e homofobia
Um escultor encontrou na porta de seu apartamento pichações com ofensas homofóbicas e de intolerância religiosa.
João Júnior é morador de um condomínio de Madureira, na Zona Norte do Rio.
Ele comprou o apartamento há quatro meses e ainda estava preparando a casa para morar sozinho.
"Bruxo, filho do diabo, servo de Satanás.
Pegue suas imagem (sic) e suma do nosso condomínio.
Ou vamos invadir e quebrar tudo.
Depois, queimar em nome de Jesus.
Viado dos infernos", contou João ao ler a mensagem.
Porta pichada com ofensas
Reprodução/TV Globo
Em 2023, a cidade do Rio de Janeiro foi a que teve mais denúncias de intolerância religiosa no Brasil, com 170 casos registrados.
A menos de dois meses para o fim de 2024, o número de registros já ultrapassou 2023.
Foram 217 registros até este sábado (16).
O Rio continua no topo da lista dos 15 municípios brasileiros com mais casos.
No Rio de Janeiro, os municípios de Nova Iguaçu, Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, além de Niterói, na Região Metropolitana, entraram na lista.
João faz questão de mostrar que segue o candomblé.
E acredita que o trabalho que faz em casa motivou os ataques.
Ele faz esculturas usadas em cultos de religiões de matriz africana e imagens símbolos da Igreja Católica.
João Júnior é escultor
Reprodução/TV Globo
O escultor costuma levas as obras de dentro de casa até o estacionamento do prédio para entregar aos clientes.
As ofensas e ameaças já não estão na porta, mas isso não levou embora o medo que ele sente no lugar que deveria ser o mais seguro para qualquer pessoa.
João não faz ideia de quem pode estar por trás da violência.
"Aterrorizante, né? Um medo que invade e é algo que vai te consumindo com o tempo.
Fiquei alguns dias dormindo até mesmo na minha irmã até minha cabeça entender o que estava realmente acontecendo", conta.
O condomínio informou que as câmeras estavam desligadas.
"Foi dito que houve uma queda de luz e aí a gente não consegue nem a imagem, né, nesse período", disse o morador.
À TV Globo, o condomínio explicou que não há câmeras no bloco e que estão em processo de instalação.
"O Rio de Janeiro, de fato, é um dos estados, assim como a própria cidade, de maior incidência de intolerância religiosa.
Inclusive, ele sempre oscila entre o segundo lugar no país e, às vezes, até chegando em primeiro com os dados estatísticos, dependendo das fontes", avalia Ivanir dos Santos, babalawô, professor e doutor em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O caso do João aconteceu no dia 18 de setembro.
O escultor registrou o caso na delegacia de Madureira, mas, até agora, os suspeitos não foram identificados.
"O direito à liberdade religiosa não significa o direito a ofender alguém.
Então, a garantia do direito à liberdade de expressão não permite que alguém de outra religião chame de demônio, ofenda ou, inclusive, queira converter a força o outro achando que tá fazendo a sua salvação", disse a antropóloga Ana Paula Miranda, do Ginga, da Universidade Federal Fluminense (UFF).
João fala que o medo limita suas ações e seu a dia a dia.
"Eu não consigo mais prever um futuro do quanto eu já tinha previsto e tinha me planejado, né, tinha me projetado para algo muito maior.
Isso me fez me limitar.
O medo me limitou de saber até onde eu posso ir.
Se eu tenho que fazer uma reforma, se eu tenho que fazer algo novo, comprar móveis.
Toda essa mudança que você planeja na sua cabeça da realização de um sonho se torna quase um pesadelo".
João Júnior
Reprodução/TV Globo
O que dizem a polícia e o condomínio
A Polícia Civil informou que a delegacia de Madureira está tentando identificar quem fez as pichações.
O condomínio Recanto das Flores 2 declarou que repudia o que aconteceu com o morador e que vem colaborando com as investigações.
Informou que analisou os sistemas de controle de acesso e o circuito interno de câmeras e que vai instalar mais câmeras nas áreas comuns.
O condomínio também disse que fez uma assembleia extraordinária no dia 18 de setembro sobre essa situação e que está fazendo uma campanha de conscientização sobre as garantias individuais.