Governo Bolsonaro pagou viagens para indiciado por golpe mostrar supostas fragilidades da urna eletrônica
01/12/2024
Carlos Rocha foi indicado pelo então ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes.
O engenheiro também recebeu R$ 1 milhão do PL para fazer relatório que questionou, sem provas, o resultado do 2º turno.
Governo Bolsonaro pagou viagens para indiciado mostrar supostas fragilidades das urnas
Carlos Cesar Moretzsohn Rocha, presidente do Instituto Voto Legal
Reprodução
O Ministério da Ciência e Tecnologia pagou, em 2021, duas viagens de urgência para o engenheiro Carlos Rocha, um dos indiciados no inquérito da tentativa de golpe de Estado para manter ilegalmente Jair Bolsonaro (PL) no poder mesmo com a derrota na eleição de 2022.
O dinheiro público – R$ 7,7 mil – foi usado para que Carlos Rocha fosse a Brasília se encontrar com o então titular do ministério e hoje senador Marcos Pontes (PL-SP) em duas datas distintas: 26 de julho e 30 e julho de 2021.
A compra de passagens de urgência só pode ser autorizada pelo próprio ministro ou por seu secretário-executivo.
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O objetivo oficial das viagens, segundo os registros do ministério, era ouvir uma associação que defende voto auditável – uma bandeira usada por Bolsonaro para atacar a confiabilidade das urnas eletrônicas, que já são auditadas (leia mais abaixo).
Não há registro do primeiro encontro.
Já o segundo ocorreu no Palácio do Planalto e contou com a participação, além de Marcos Pontes e Carlos Rocha, do então presidente Jair Bolsonaro (PL) e do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general da reserva do Exército Augusto Heleno, ambos também indiciados pela tentativa de golpe de estado.
Carlos Rocha, fundador do Instituto Voto Legal
Reprodução/Redes sociais
Senador é citado no inquérito, mas não foi indiciado
O senador Marcos Pontes não foi indiciado, e é citado no inquérito como responsável por indicar Carlos Rocha para Valdemar da Costa Neto, presidente do Partido Liberal (PL).
A legenda contratou o engenheiro por R$ 1 milhão para elaborar um relatório que apontou, sem provas, indícios de fraudes nas urnas eletrônicas no 2º turno da eleição de 2022.
Para a PF, Rocha fez o documento mesmo tendo consciência de que não havia irregularidade nas urnas.
As informações produzidas por Rocha foram usadas pelo PL para questionar o resultado da eleição do 2º turno e para embasar a propagação de informações falsas sobre as urnas eletrônicas para incitar a população contra a derrota de Bolsonaro, segundo a investigação da PF.
Por conta disso, Rocha foi indiciado por tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do estado democrática de direito e organização criminosa, juntamente com outras 36 pessoas (incluindo Bolsonaro, Valdemar e Heleno).
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A jornal, senador disse que só 'passou contato'
O g1 procurou o senador Marcos Pontes durante três dias consecutivos, mas ele não atendeu a nenhuma das sete tentativas de contato por meio de ligações e mensagens.
Ao jornal "O Globo", Marcos Pontes disse que Valdemar (o presidente do PL) lhe perguntou se conhecia alguém que entendia da tecnologia das urnas e que, em resposta, indicou Carlos Rocha.
Pontes afirma que Rocha o havia procurado anteriormente por meio de uma associação de ex-alunos do Instituto Técnico da Aeronáutica (ITA), no qual os dois estudaram.
"Assim, passei o contato dele [para Rocha], e aí encerrou minha participação", afirmou Pontes ao jornal "O Globo".
O g1 também procurou Carlos Rocha por e-mail, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
O então ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, em imagem de setembro de 2021.
Isaac Fontana/Framephoto/Estadão Conteúdo
Justificativa para viagens foi ouvir associação que defende 'voto auditável'
Segundo os registros oficiais, o Ministério da Ciência e Tecnologia pagou as viagens para Carlos Rocha para que Marcos Pontes, Bolsonaro e o general Heleno vissem a apresentação de uma proposta "para o aperfeiçoamento técnico do sistema eletrônico de votação" feita pela Associação Grita!.
A associação defende "voto auditável" e "auditoria externa" do processo eleitoral brasileiro – medidas que já existem.
A urna eletrônica já possibilita a auditoria da votação por meio do Boletim de Urna (BU), que é um documento público, disponibilizado logo após o fim da eleição, que permite ver quais foram os votos registrados em cada urna.
Além disso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) permite que entidades credenciadas – públicas e privadas – façam a auditoria do código-fonte das urnas antes das eleições, e convida observadores externos para acompanhar todo o processo eleitoral.
Procurada, a Associação Grita! não respondeu aos contatos da reportagem.
Viagens ocorreram à época da live de ataque às urnas
As viagens a Brasília de Carlos Rocha pagas pelo Ministério da Ciência e Tecnologia ocorreram na mesma época em que Bolsonaro fez uma live com notícias falsas para atacar as urnas eletrônicas.
Na ocasião, 29 de julho, o então presidente voltou a defender voto auditável.
No relatório do inquérito do golpe, a Polícia Federal (PF) destaca que dois dias antes, em 27 de julho, o então diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, fez as últimas modificações em um documento com ataques às urnas e orientações que deveriam ser seguidas por Bolsonaro.
Entre as orientações, está a defesa do voto auditável.
"Há domínio de apenas alguns técnicos do TSE ao código-fonte e chaves criptográficas sem qualquer controle.
O voto auditável é o controle dessa liberdade desses técnicos.
A democracia brasileira não pode estar na governança de alguns técnicos, levados a estas funções por governos anteriores.
Estas questões que devem ser massificadas", diz o documento da PF.
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