Carrefour x Mercosul: o que dizem a retratação do CEO e a carta que deu origem à polêmica
26/11/2024
Alexandre Bompard enviou, nesta terça-feira (26), uma carta ao Ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, com um pedido de desculpas, após afirmar que o grupo deixaria de comprar carne do Mercosul.
Alexandre Bompard, presidente-executivo do Carrefour, na divulgação da rede como parceira dos Jogos Olímpicos de Paris, em 2022
Divulgação/Carrefour
Quase uma semana após o início da polêmica, o presidente do Carrefour, Alexandre Bompard, enviou uma carta ao ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, com um pedido de desculpas pela fala em que questionou a qualidade da carne do Mercosul.
A fala de Bompard irritou produtores do bloco sul-americano, provocou um boicote dos frigoríficos brasileiros aos supermercados da rede no país e fez o governo brasileiro exigir uma retratação.
No documento, Bompard volta atrás em alguns argumentos usados em seu posicionamento inicial.
Veja abaixo as diferenças entre os dois comunicados.
Ao final da reportagem, leia as duas cartas na íntegra.
Após a retratação, o Carrefour Brasil informou, no início da tarde desta terça-feira (26), que o fornecimento de carne pelos frigoríficos locais foi retomado.
'Não atende exigências e normas' X 'carne de qualidade'
(ANTES) Bompard citou o "risco de inundação do mercado francês com carne que não atende às suas exigências e normas" quando anunciou, na última quarta-feira (20), o veto à carne do Mercosul, que vale para lojas francesas da rede.
(DEPOIS) Na carta a Fávaro, divulgada nesta terça (26), Bompard diz que sabe que "a agricultura brasileira fornece carne de qualidade, respeito às normas e sabor".
O questionamento da qualidade da carne produzida no bloco sul-americano, citado no primeiro comunicado de Bompard, foi recebido com mais irritação pelo governo e os produtores do que o veto em si.
Isso porque a França não é uma grande compradora do Brasil e as unidades do Carrefour no país europeu praticamente não vendem carne importada.
Mas a fala sobre a carne não atingir às exigências e normas foi recebida como uma afronta pelos frigoríficos brasileiros e pelo governo, e gerou o boicote ao Carrefour Brasil.
Fávaro deixou claro que era este o ponto mais importante de uma eventual retratação: "Feito isso, compra quem quiser, quem achar que é importante", afirmou.
No pedido de desculpas, o presidente do Carrefour disse que conhece o "profissionalismo, cuidado à terra e produtores" brasileiros.
Bompard, acrescentou ainda que sua fala gerou "confusão" e "pode ter sido interpretada como questionamento de nossa parceria com a agricultura brasileira e como uma crítica a ela".
O anúncio do veto, feito nas redes sociais do CEO, foi direcionado especificamente aos agricultores franceses, que protestavam, desde o início daquela semana contra o seu governo e o acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul.
Esta é uma tratativa que ainda não saiu do papel por falta de consenso entre os países, mas que voltou a ser discutida durante a reunião do G-20, que acontecia naqueles dias no Rio de Janeiro.
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Sobre a compra de carnes do Mercosul
(ANTES) No comunicado que deu origem à polêmica, Bompard disse que "o Carrefour quer agir em conjunto com o setor agrícola e assume hoje o compromisso de não comercializar nenhuma carne proveniente do Mercosul".
(DEPOIS) Na retratação, Bompard ressaltou que a França continuará comprando, majoritariamente, carne que seja produzida no país.
"A decisão do Carrefour França não teve como objetivo mudar as regras de um mercado amplamente estruturado em suas cadeias de abastecimento locais, que segue as preferências regionais de nossos clientes", disse o executivo na carta enviada ao governo brasileiro.
De mesmo modo, segundo ele, as unidades brasileiras venderão o produto nacional.
"São os mesmos valores de criar raízes e parceria que inspiram há 50 anos nossa relação com o setor agropecuário brasileiro", justificou, nesta terça.
Segundo Bompard, o Brasil é o país no qual o grupo mais investiu durante a sua presidência.
Mas a nota inicial do CEO pedia ainda para que restaurantes franceses, que importam 60% de suas carnes, assumissem o mesmo compromisso de não comprar carnes do Mercosul.
Ele não falou sobre isso na retratação.
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Íntegra do primeiro comunicado de Bompard
"Em toda a França, ouvimos o desespero e a indignação dos agricultores diante do projeto de acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul e o risco de inundação do mercado francês com carne que não atende às suas exigências e normas.
Em resposta a essa preocupação, o Carrefour quer agir em conjunto com o setor agrícola e assume hoje o compromisso de não comercializar nenhuma carne proveniente do Mercosul.
Esperamos inspirar outros atores do setor agroalimentar e impulsionar um movimento mais amplo de solidariedade, além do papel da distribuição, que já lidera a luta em favor da origem francesa da carne que comercializa.
Faço um apelo especial aos atores da restauração fora de casa, que representam mais de 30% do consumo de carne na França – mas onde 60% é importada – para que se unam a esse compromisso.
Somente unidos poderemos garantir aos pecuaristas franceses que não haverá nenhuma possibilidade de contornar essa questão.
No Carrefour, estamos prontos, qualquer que seja o preço e a quantidade de carne que o Mercosul venha a nos oferecer."
Íntegra carta de retratação
"Ao Excelentíssimo Ministro da Agricultura e Pecuária do Brasil, Senhor Carlos Fávaro,
A declaração de apoio do Carrefour França aos produtores agrícolas franceses causou discordâncias no Brasil.
Como Diretor-Presidente do Grupo Carrefour e amigo de longa data do país, venho, respeitosamente, esclarecê-la.
O Carrefour é um grupo descentralizado e enraizado em cada país onde está presente, francês na França e brasileiro no Brasil.
Na França, o Carrefour é o primeiro parceiro da agricultura francesa: compramos quase toda a carne que necessitamos para as nossas atividades na França, e assim seguiremos fazendo.
A decisão do Carrefour França não teve como objetivo mudar as regras de um mercado amplamente estruturado em suas cadeias de abastecimento locais, que segue as preferências regionais de nossos clientes.
Com essa decisão, quisemos assegurar aos agricultores franceses, que atravessam uma grave crise, a perenidade do nosso apoio e das nossas compras locais.
Do outro lado do Atlântico, no Brasil, compramos dos produtores brasileiros quase toda a carne que necessitamos para as nossas atividades, e seguiremos fazendo assim.
São os mesmos valores de criar raízes e parceria que inspiram há 50 anos nossa relação com o setor agropecuário brasileiro, cujo profissionalismo, cuidado à terra e produtores conhecemos.
O Grupo Carrefour Brasil é profundamente brasileiro, com mais de 130.000 colaboradores, se desenvolveu e continua se desenvolvendo sob minha presidência em parceria com produtores e fornecedores do Brasil, valorizando o trabalho do setor produtivo e sempre em benefício de nossos clientes.
Nos últimos anos, o Grupo Carrefour Brasil acelerou seu desenvolvimento, dobrando tanto o volume de seus investimentos no país quanto suas compras da agricultura brasileira.
Mais amplamente, o Brasil é o país em que o Carrefour mais investiu sob minha presidência, o que confirma nossa ambição e nosso comprometimento com o país.
Assim, seguiremos prestigiando a produção e os atores locais e fomentando a economia do Brasil.
Sabemos que a agricultura brasileira fornece carne de alta qualidade, respeito às normas e sabor.
Se a comunicação do Carrefour França gerou confusão e pode ter sido interpretada como questionamento de nossa parceria com a agricultura brasileira e como uma crítica a ela, pedimos desculpas.
O Carrefour está empenhado em trabalhar, na França e no Brasil, em prol de uma agricultura próspera, seguindo nosso propósito pela transição alimentar para todos.
Asseguro, Senhor Ministro, nosso compromisso de longo prazo ao lado da agricultura e dos produtores brasileiros.
Aproveito a oportunidade para renovar os protestos de estima e consideração.
Atenciosamente,
Alexandre Bompard
Diretor-Presidente do Grupo Carrefour"