Uso abusivo da testosterona pode esconder quadro de depressão
03/10/2024
A psiquiatra Carmita Abdo, que coordenou o maior programa de estudos em sexualidade no Brasil, alerta para o risco da sua utilização indiscriminada.
Passei dois dias acompanhando o 25º.
Congresso Mundial de Medicina Sexual, realizado no Rio de Janeiro entre 26 e 29 de setembro, onde tive o prazer de reencontrar a psiquiatra Carmita Abdo, uma das maiores referências em sexualidade no Brasil.
Professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, fundou o Programa de Estudos em Sexualidade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP.
É justamente com ela que inicio uma série de colunas sobre os temas debatidos no evento – e a primeira trata do uso abusivo da testosterona.
Na opinião dos especialistas presentes, estamos assistindo a uma verdadeira epidemia que pode ter consequências danosas à saúde.
A psiquiatra Carmita Abdo: “a testosterona melhora o humor, embora não seja indicada para casos de depressão, por isso é um risco sugerir que o paciente interrompa seu uso abruptamente”
Mariza Tavares
“O uso da testosterona para mulheres foi aprovado pelas Sociedades Médicas Brasileiras, entre as quais a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, com uma indicação bastante precisa: para aquelas na pós-menopausa com desejo sexual hipoativo.
No entanto, sempre com a justificativa de falta de desejo, percebemos que está sendo utilizada de modo indiscriminado, para melhorar a condição física e o vigor.
De fato, a substância dá disposição e define a forma física, mas as mulheres parecem ignorar as consequências negativas”, diz Abdo.
Como explica a psiquiatra, “o custo não está sendo contabilizado”: para as mulheres, entre os efeitos adversos estão o surgimento de pelos, mudança no timbre da voz, que fica grave (e não volta ao normal), acne, queda de cabelo e até o risco de desenvolver câncer.
Homens jovens que querem ganhar massa muscular podem ter problemas de fertilidade no futuro, provocados pelo abuso da substância.
“O risco não se restringe aos homossexuais que procuram ter uma aparência mais exuberante.
Jovens estão utilizando testosterona sem indicação médica.
Atendo a diversos casos desses no consultório e, quando explico o risco de infertilidade pelo uso abusivo, ouço como resposta: 'isso não é minha prioridade agora.
Quando eu quiser ter um filho, procuro um endocrinologista’”, afirma.
Nos diversos casos discutidos no congresso, ficou claro que os pacientes apresentavam taxas muito altas de testosterona e, mesmo assim, continuavam se queixando de falta de desejo.
A expectativa de um desempenho sexual turbinado não se materializava.
Carmita Abdo conta que faz palestras nas quais descreve pessoas que tentam compensar seu mal-estar interno – decorrente de ansiedade, estresse pós-traumático ou depressão – com uma aparência que as façam se sobressair entre seus pares:
“É preciso investigar a presença de depressão, cujos sintomas são, entre outros, humor depressivo, fadiga, isolamento, falta de apetite, choro fácil, insônia ou sono excessivo, desânimo, desesperança, baixa produtividade.
Por trás de uma queixa de falta de desejo, pode haver um quadro depressivo, onde há necessidade de psicoterapia e acompanhamento medicamentoso.
A testosterona melhora o humor, mas não está indicada como tratamento para a depressão.
Por outro lado, é arriscado sugerir que o paciente interrompa seu uso abruptamente, sem a cobertura de um antidepressivo.
A mudança se dá pelo convencimento, através do processo terapêutico, fazendo-o entender o que realmente precisa”.
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